6.12.08

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Cambiante

Não quero compor canções de amor ou de amigo,
nem cantigas de escárnio e de maldizer.

Tampouco me interessam sonetos e hinos,
odes, baladas, elegias e madrigais.

Não desejo criar tramas imaginárias,
discorrer sobre a memória ou a poética de Flaubert.

Hoje, quero apenas me sentar na calçada,
e contemplar:

as tempestades de areia no Deserto do Saara
e a onda devastadora na foz do Araguari;

as fendas nas paredes do cânion do Colorado
e o choque do mar contra as falésias de Corfu;

o jorro ardente do gêiser de El Tatío
e a incandescência do Mauna Loa no Haiti;

o deslocamento rouco das geleiras da Patagônia
e o estrondo das águas nas cataratas do Iguaçu;

o oceano serpenteando os fiordes da Noruega
e a ondulação azul do Lago Malawi;

a dança instável das dunas da Namíbia
e o vulto imóvel do Fuji na Ilha de Honshu;

a água aflorando na nascente do Amazonas
e o divino encontro do São Francisco com o mar.

Fecharei os olhos,
silenciarei os pensamentos,
observarei o longo e lento embate
— imposição, resistência e entrega —,

os mil semblantes do meu mundo
disputando um mesmo espaço.
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